sábado, 9 de fevereiro de 2019

CAHIERS DU CINEMA OU AÍ SÓ TEM ARTISTA

arquivo VM FILMES Beto Magno
                          Dia de Gravação em " Maracangalha" São  Sebastião do Passé - BA

Por Fernando Vita Souza

Baiano não nasce, estréia! costumam dizer, com indisfarçável despeito, todos os que, por algum inexplicável motivo, não conseguiram nascer na Bahia, estando por isso mesmo condenados a passarem o resto da vida sem poder bater a mão no peito, prenhes de orgulho cívico. e dizer-se conterrâneos de glorias nacionais como  Castro Alves, Caetano, Joana Angelica, Chocolate do Mercado Modelo, Ruy Barbosa ( o que foi para Inglaterra ensinar inglês! ) e Beijoca. E  dia desses, por obra e graça da Globo, que reexibiu " A Tenda dos Milagres", de Nelson Pereira dos Santos, pude ter a certeza de que a Bahia pode não presar pra outras coisas, mas duvido que exista qualquer outro lugar no mundo com tanto artista...
Rapaz inteligente, apesar de não ser baiano, o cineasta Pereira dos Santos houve por bem decidir que em tendo que filmar " A Tenda dos Milagres" ai, nesta verdadeira fabrica de artistas, não teria por que esquentar a cabeça contratando gente em outras plagas. E, sabiamente, assim o fez. Chegou no primeiro boteco e bradou, em alto e bom som, a senha magica que em segundos permitiu-lhe lotar seis ônibus, duas kombis e três fuscas de artistas:
- Por acaso, aqui tem artistas?
E acompanhado por uma verdadeira multidão de artistas baianos, de todas as cores, credos, habilidades e preferências, pôde o bom Nelson, ideia na cabeça e câmera na mão, desempenhar o seu mister sem problemas, legando á cinematografia nacional mais que um filme com sua grife, um valioso mostruário de talento, da genialidade e do domínio da difícil arte de interpretar de uma serie de verdadeiros astros da tela, que província da Bahia escondia aos olhos do mundo, modesta como é desde que Cabral começou a fazer o Brasil - logo por onde, adivinhem? - pela Bahia, isso mesmo, aí pela Bahia.
Assim, ao longo da história do negro Pedro Arcanjo, o bedéu que deitava e rolava inteligencia e saber em cima dos doutos, teve o Brasil e o mundo mais uma vez que se curvar ante a artistice baiana, em desempenhos memoráveis e definitivos de astros de primeira grandeza, que modéstia e a timidez furtavam ás telas, escondendo-os em outras profissões igualmente nobres, mas ainda assim cometendo um verdadeiro crime de lesa-arte, posto que lugar de artista é na tela, verdade que até office-boy em Hollyood sabe.
Não fosse Nelson Pereira dos Santos e o seu hoje histórico grito de "Por acaso, aqui tem artistas?" e o mundo acabaria privado de ver gente como Jehová de Carvalho, Tuna Espinheira, Tasso Franco, Pedro Formigli, Carlos Navarro Filho, Rêmulo Pastore, Nadja Miranda, Césio Oliveira, Claudio Barreto, Raimundo Machado e tantos outros mostrar para os pósteros como é que se trabalha ante os spots-lights e câmeras da vida. Todos eles, sem exceção, poderiam abandonar os afazeres que originalmente abraçam - taí por que nunca levei fé nos chamados testes vocacionais - e partir para disputar mercado com os Pereios, Tarcísios Meiras, Newmans, Brandos e Nicholsons, sem receio nenhum.
Diante de TV, com o espírito crítico aguçado e afiado ante os conterrâneos  acima citados, todos meus amigos, aplaudi de pé momentos que considero definitivos na cinematografia mundial, como, por exemplo, aquele em que o jornalista Césio de Oliveira levanta-se e bate palmas numa conferencia. Nunca vi ninguém bater palmas tao bem, de forma tão convincente, em toda historia do cinema.Ali, em questão de segundos, o nosso Césio conseguiu brilhar mais que o outro césio- 137, que fez aquela zorra toda em Goiânia. E Rêmulo Pastore, o nosso Reminho? A este Pereira dos Santos concedeu apenas alguns segundos em cena, mas suficientes para firma-lo como ator, por todo o sempre, amém. Coube ao citado artista a difícil tarefa de atravessar de forma furtiva uma sala onde pessoas discutiam acalouradamente alguma coisa. E o nosso Rêmulo o fez de forma tão furtiva, astro que é, que nem ele conseguiu depois ver-se na tela... Até hoje o diretor de "A Tenda Dos Milagres" elogia. Mas não para por aí a genialidade dos nossos artistas em " A Tenda"... Não há como descrever a performance do também jornalista Tasso Franco, interpretando polemico repórter de jornal. Ele faz um 'Oh, não é possível!" tão comovente, tão brilhante no filme que se Fellini o pega de jeito pela Europa, adeus Amélia, jamais Serrinha teria de volta seu filho mais ilustre. E Pedro Formigli, o Pedrinho Me Mate Logo, também como repórter, anotando com raro brilho o que o pesquisador gringo falava? Fui, por instantes, transportado ao Orson Wells do "Cidadão Kane"... Não há como deixar de lado desempenhos como o de Carlos Navarro Filho, o ontem vereador de Alagoinhas e hoje presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia. Além do jeitão misterioso de encarar as câmeras, merece aplausos o periodista em questão, pela gravata parecida com uma raquete de tênis que usava, encarnando o publicitário-picareta. E a calça boca de sino de Raimundo Machado? E o seu "Sex- appeal" dando esporro na sua equipe de repórteres? Por muito pouco  A TARDE não perdeu um de seus melhores repórteres de policia para o cinema.
O publicitário Claudio Barreto como maestro, a professora Nadja Miranda como mulher dama e Tuna Espinheira como professor estão geniais.
Vejam como o Claudio, no filme, segura a batuta. E o decor de Nadja? O Tuna, uma das poucas pessoas que sabem de cor e salteado o hino de Juracy Magalhães na campanha para o governo do estado, dirige um olhar de reprovação para um colega professor em certa hora que, meu Deus, Humprey Bogart jamais conseguiria fazer igual.
O homem de leis, letras e litros Jehová de Carvalho teve atuação destacadíssima, e não pode, por questão de justiça, ser olvidado. Bom de discurso e gestos, é mesmo nos momentos em que aparece de copo na mão que mais se sente a sua genialidade. Mas, aí, não há por que se surpreender, haja vista que o bom Jehová treina essa arte de levantar copos desde tenra idade, ainda na sua Santa Maria da Vitória, e quem sabe, sabe, quem aprende bem não desaprende jamais, mesmo com o baque surdo da claquete no pé do ouvido.
Como se vê, aí na Bahia só tem artista! E se Hollyood, ao invés de estar na Califórnia, fosse aí em São Sebastião do Passé, por exemplo, a historia do cinema, não tenham dúvidas, teria sido outra.

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