quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

MEU AMIGO " FERA"!


Dramaturgo e cineasta baiano Gildásio Leite morre aos 73 anos

Durante décadas dirigiu e produziu peças de teatro, viajando pela Bahia com seu grupo Saltimbancos
O cineasta, dramaturgo e diretor teatral Gildásio Leite  faleceu nesta quinta-feira (17), aos 73 anos, após lutar durante quatro anos contra um câncer de próstata e outro de reto. Segundo Informações da filha, Pauline Leite, o câncer evoluiu e acabou se tornando um quadro de metástase e então seu pai não resistiu. 
Natural de Vitória da Conquista, ele tinha seu conterrâneo Glauber Rocha, como principal espelho para sua arte. Gildásio participou de grandes produções brasileiras como Tenda dos Milagres (1979), Central do Brasil (1998) e a primeira versão de Quincas Berro D'água para o cinema, produzida na década de 70. Seu último trabalho no cinema foi em 2004, no filme Cascalhos de Tuna Espinheira.  No teatro, sua participação final foi na Tragédia do Tamanduá, de 2010, com texto e direção de Paulo Tiago, seu terceiro filho, falecido aos 33 anos.
O filho João Gabriel Leite fez uma publicação desabafando no Facebook e escreveu: "Hoje dia do Senhor do Bonfim meu pai partiu para uma nova jornada. Quem o conheceu sabe que poucos levaram a vida com tanto entusiasmo e leveza. Foi uma luta difícil e ele como sempre se mostrou um grande guerreiro. Que fiquem as boas lembranças e sons de sorrisos pra sempre em nossas memórias... Que a jornada continue... pedalando pelo plano espiritual nas estradas do universo."

Formado pela Universidade Federal da Bahia, Gildásio participou de grandes montagens de espetáculos que marcaram a história do teatro baiano, como "Um homem é um homem", de Bertolt Brecht, dirigido por João das Neves em 1974, “A Casa de Bernada Alba”, de Frederico Garcia Lorca, do mesmo ano, e “A Morte de Quincas Berro D’agua”, com direção de João Augusto.
Durante décadas dirigiu e produziu peças de teatro, viajando por toda Bahia com seu grupo Saltimbancos, formado por sua família.Também foi professor de teatro.
Ele também realizou filmes como diretor, escreveu diversos roteiros, textos teóricos e criticas de teatro. Gildásio é pai dos diretores de cinema João Gabriel Leite e Gabriela Leite.
 O velório acontece hoje em Salvador, à tarde, no Cemitério Campo Santo. Amanhã, ele terá velório na Câmara de Vereadores de Vitória da Conquista, a partir das 08:00hs, e também ao longo do sábado. O sepultamento será às 16:00hs de sábado, no Cemitério Praça da Saudade.

Da Redação
redacao@correio24horas.com.br

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

COMO O ESTADO LEVOU O CINEMA BRASILEIRO AO FRACASSO E MATOU A INICIATIVA PRIVADA NO SETOR

Beto Magno (cena do filme "Eu só queria vencer" )

Por Daniel Moreno

Que tal uma legislação de reserva de mercado para o Cinema Nacional? Diante de tantos filmes estrangeiros – especialmente norte-americanos – que chegam ao mercado interno todos os anos, deve ser uma “boa ideia” obrigar que uma parcela da programação das salas de cinema ofereça o “similar nacional”.
Você deve estar pensando: “Bem, isto já existe, desde o tempo da Embrafilme, no regime militar”. Sim, isto já existe: você só errou a data. A ideia de “proteger” o conteúdo nacional da concorrência estrangeira vem desde Getúlio Vargas, em 1932, com o artigo 13 do decreto Nº 21.240.
Bem, e que tal injetar dinheiro público nos filmes? Quanto tempo tem essa ideia? Ela também é muito antiga: em 1953, por exemplo, a célebre companhia produtora Vera Cruz estava atolada em dívidas, mas ainda assim a imprensa defendia que o Governo de SP (através do Banespa, na época um banco estatal paulista) “salvasse” a empresa com mais empréstimos em condições vantajosas – o que se revelaria, no final das contas, um desperdício.
Muita gente esforça-se para tentar compreender por que a indústria cinematográfica brasileira vive essa eterna novela na qual os capítulos parecem repetir sempre o mesmo drama. Mas o problema é efetivamente mais simples de ser entendido se assumirmos que, entra governo e sai governo, as tais “políticas públicas” para o setor continuam usando o mesmo remédio esperando, eventualmente, atingir resultados diferentes.
Desde meados do século passado, dois fantasmas assombram o audiovisual nacional: a reserva de mercado e o subsídio (em seus infinitos disfarces e variações). Tais fantasmas, a despeito de sua natureza, são usados como verdadeiros pilares para a indústria do setor. Vejamos, assumindo como ponto de partida a criação da Embrafilme (em 1969), embora como se disse o problema (e a falsa solução) seja anterior a isso.
Durante toda a existência da estatal criada pelos militares para produzir e distribuir filmes nacionais, a reserva de mercado acentuou-se e centenas de produções foram levantadas com dinheiro público. Depois de uma década desse modelo, o que se conseguiu foram basicamente duas coisas: uma diminuição expressiva do número de salas de cinema abertas e um cinema dividido – de um lado, os filmes dependentes da Embrafilme, que representavam menos de um terço da bilheteria da parcela destinada ao produto nacional; de outro, os filmes livres de dinheiro público, a indústria paulista da pornochanchada e do cinema de gênero da chamada “Boca do Lixo”. Ou seja: a despeito da imensa injeção de verba estatal no cinema, a parte da indústria que realmente prosperava era aquela esquecida pelos burocratas (os dois terços de venturosos capitalistas). Mas qual seria a explicação para esse fenômeno, uma vez que mesmo entre os títulos financiados pela Embrafilme havia grandes sucessos de bilheteria, como o célebre “Dona Flor e seus dois maridos”? Espere, voltaremos ao tema mais adiante.
Quando o modelo da estatal exauriu-se, havia um consenso de que algo precisava mudar. Não é verdade que o corajoso Ipojuca Pontes, o homem incumbido por Fernando Collor para privatizar o Cinema Nacional, agiu à revelia da comunidade: o que os cineastas não queriam era ficar órfãos, mas a Embrafilme era uma herança indigesta inclusive para eles, após anos de crescente desprestígio perante a opinião pública.
Depois do desastre generalizado da administração Collor, inicia-se um novo ciclo: em vez de aprender com a experiência de negócios dos cineastas (especialmente paulistas) que viviam de produzir e vender filmes sem dinheiro público (o pessoal da Boca do Lixo), mais uma vez os políticos cedem à pressão dos cineastas mais engajados e inventam o modelo do “incentivo fiscal” para as artes em geral (em 1991), mas cujos maiores beneficiados serão, mais uma vez e durante cerca de uma década, os produtores de filmes. Ele, evidentemente, não vem sozinho: com ele está a inevitável “cota de tela”, a velha obrigatoriedade imposta por lei de exibir filmes nacionais mesmo que ninguém se interesse por eles.
Então, temos, de novo, um modelo todo construído sobre reserva de mercado e subsídio (no caso, disfarçado de renúncia fiscal cujos maiores montantes vêm – ou costumavam vir – de estatais e concessionárias de serviços públicos com recolhimento de IR). O resultado: o modelo dura somente até os próprios cineastas atolarem-se novamente em denúncias de desperdício, exaustão perante a opinião pública e uma constante de verbas insuficiente para atender a demanda crescente de mais e mais cineastas atraídos pela aparente moleza de produzir filmes sem arriscar o próprio bolso na operação.
Mais uma vez, o roteiro se repete: um modelo esgotado (no caso, o das leis de incentivo, que por sua vez substituíra outro modelo esgotado, o da Embrafilme) cede lugar a uma reformulação que, na verdade, altera a forma, mas não o conteúdo da política: vem a criação de uma agência reguladora (em 2001) para o setor que nada fará além de, basicamente, cuidar da reserva de mercado crescente e da transferência de recursos das mais variadas fontes e mecanismos para a produção e a distribuição dos filmes.
De novo, reserva de mercado e subsídio. Alguém imagina que tal modelo pudesse se sustentar?
Como que por alguma “mágica” envolvida em princípios da lógica mais elementar, o velho remédio no mesmo doente nas mesmas condições provoca o mesmo resultado: em um prazo até menor do que o esperado, o modelo dá sinais de saturação. Um mercado audiovisual transformado radicalmente pelo advento da difusão de conteúdo em outras janelas (notadamente, a TV por assinatura) faz com que um número cada vez maior de produtores de cinema com seus filmes debaixo do braço (afinal, há muito dinheiro público para muitas produções, mas a demanda de mercado não cresce nem de longe na mesma proporção) faça fila sem encontrar espaço para a exibição. Qual a resposta? Ampliar tanto a reserva de mercado quanto o subsídio, agora estendendo as políticas (fracassadas) que deram errado no mercado de salas de exibição para os canais a cabo (em 2011), repentinamente obrigados a exibir conteúdo audiovisual nacional (especialmente seriados). Mas como pagar para sustentar essa nova produção? Obviamente, com uma nova fonte de financiamento público (especialmente, o Fundo Setorial do Audiovisual, que por sua vez é abastecido com recursos do Tesouro e cobrança de uma contribuição chamada Condecine).
Então, vamos resumir até agora para o leitor não se perder: reserva de mercado e subsídio sempre assombraram o Cinema Nacional. Uma estatal (a Embrafilme) chegou a ser criada apenas para apoiar o setor sobre esses dois pilares invertebrados. O resultado: crise. A resposta para a crise? Mais reserva de mercado e subsídio através das leis de incentivo. E quando tal modelo também se esgota, qual a nova resposta? Mais reserva de mercado e mais subsídio. E de novo. E outra vez.
Não é preciso ser um estudioso do mercado audiovisual para constatar que tudo que se conseguiu intervindo no mercado permanentemente e sustentando toda uma cadeia produtiva baseada em reserva de mercado e subsídio foi… uma indústria cinematográfica incapaz de sobreviver sem, precisamente, reserva de mercado e subsídio!

Em qual capítulo desta novela estamos agora?

Com as rápidas transformações do audiovisual em todo o mundo e a crise dos canais fechados, o Brasil tem hoje uma comunidade ativa e gigantesca (ao menos em termos financeiros) de produtores de audiovisual que precisa escoar seus produtos. O espaço em salas de cinema e TV é limitado e possivelmente parou de crescer na proporção necessária para acomodar a oferta. O objetivo agora é ampliar a intervenção estatal para a web, taxando serviços como Netflix e obrigando também que o audiovisual nacional entre pela rede mundial mesmo que o interesse dos usuários seja pequeno ou mesmo não exista.
O que vem pela frente é, então, mais reserva de mercado e subsídio, pois uma vez que a demanda por audiovisual brasileiro é aumentada à força, o Estado precisa aparecer com fontes de financiamento para que tais produtos efetivamente sejam disponibilizados. Quem paga, como sempre, é o contribuinte e o espectador.
Alguém que está lendo este texto pode dizer: “Mas isto é assim em todo o mundo, o audiovisual é sempre protegido!” Bem, rebater tal afirmativa seria possível, mas num outro artigo. O que eu fiquei devendo foi falar sobre aquela que é, para mim, a verdadeira chave do problema.
Eu disse lá em cima que parece haver um fenômeno observado no Cinema Nacional que faz com que alguns filmes sejam bem-sucedidos dispensando a tal “ajuda” do governo. A resposta não é “São filmes aos quais o público realmente quer assistir”; a história está repleta de grandes sucessos populares de filmes subsidiados, como o próprio “Dona Flor…”, “Tropa de Elite” e tantos outros. Na verdade, desde a Chanchada até sua herdeira bastarda (a Pornochanchada), passando por Mazzaropi e Os Trapalhões, o filme (audiovisual) nacional que realmente pode funcionar é aquele “barato” – ou ao menos suficientemente barato para que sua capacidade de recuperar o investimento seja atraente ao investidor que não quer (ou não pode) ser subsidiado.
O audiovisual nacional é caro demais, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos a seu potencial de mercado. O problema é, também, antigo. O excepcional sucesso de 1953, “O Cangaceiro”, teve dificuldades de recuperar o (alto) valor investido a despeito da bilheteria expressiva; em 1999, militantes do setor como Ivan Isola já admitiam que muitos filmes nacionais poderiam ser realizados por pouco mais da metade de seus orçamentos sem prejuízo da qualidade; em 30 de janeiro de 2013, uma extensa reportagem do Estadão abordava o problema crescente de produzir cinema no Brasil por valores tão altos. “Os nossos orçamentos estão quase o dobro dos argentinos e dos chilenos e mais caros do que os dos espanhóis”, diria Lucy Barreto, a decana produtora.
Num cinema tão caro, o aporte permanente de dinheiro público impede que os custos de produção diminuam naturalmente. Como não diminuem, investidores dispostos a arriscar seu próprio dinheiro não se interessam pelo negócio. Sem a entrada de tais investidores no setor (caros demais, os filmes nacionais são incapazes de dar lucro), a dependência do dinheiro público prossegue, realimentando o ciclo.
Enquanto o problema for confortavelmente deixado de lado pela comunidade cinematográfica (por motivos que dariam outro texto), continuaremos assistindo a este patético espetáculo de uma indústria dependente de reserva de mercado e injeção de dinheiro público implorar rotineiramente por mais reserva de mercado e subsídio para superar os problemas causados por… reserva de mercado e subsídio!